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Dá-se assim desde menina

 

 

As bonecas de papel são comumente vistas como um tipo de brinquedo lúdico, destinadas a um público estritamente doméstico e que foram difundidas no século XX, especialmente das décadas de 1930 à 1960, devido à acessibilidade dos impressos em papel. Curiosamente nos dias de hoje elas ainda tem algum apelo popular e despertam certo fetiche vintage (?).

Estes modelos e seus traçados possuem significados que estão fortemente arraigados no imaginário de um universo “próprio para meninas” cuja transmissão é carregada pelos valores tradicionais. Esta herança troca de mãos, de roupas e até mesmo de papeis, mas o rosto perpetua-se imutável; é mantido com a fria simetria de sorrisos paralisados e pares de olhos arregalados reproduzidos em série.

Natali Tubenchlak se utiliza das formas dessas bonequinhas e de suas roupagens em justaposição com elementos selvagens, próprios da natureza, como recurso plástico para a construção de sua crítica à mitologia doméstica e suas ferramentas de domínio. Por meio de um trabalho, que segundo a própria, é marcado pelo hibridismo técnico, mestiçagem de meios e produção de imagens desaceleradas em relação à tecnologia, neste caso, propõe uma interação dialógica com a padronização.

Ao colocar em questão esse protótipo imagético do dito feminino a artista se mune da história construída a partir destas reproduções no intuito de fazer escapar uma reflexão crítica das mãos desse fantasma saudosista. Com ironia a artista age como a rainha de copas e arranca a cabeça delas (!) sem fazer deste ato uma amputação. Pois entende que só assim se pode romper a trilha de sucessão e talvez permitir que a cabeça faça um caminho próprio.

As lacunas que marcam o pontilhado das linhas para o recorte dos moldes atentam para os perigos que podem ser encontrados caso não se siga os caminhos delimitados. Paradoxalmente, para contrapor os riscos e as desvantagens de se manter num enquadre, Natali insere, no espaço da cabeça, serpentes fálicas, peçonhentas e a jibóia, planta trepadeira reafirmando o poder de extrapolação indomável da natureza.

A boneca, modelo a ser seguido, sai do anonimato ao saltar do papel e, ganha um outro corpo. Essa presentificação dá peso à imagem que não se faz sem relação com a gravura. O papel materializado em objeto está no bojo do corpo da escultura. A intenção da artista em buscar a ressignificação das técnicas para ultrapassar as réplicas e realizar a atualização dessas matrizes alarga o horizonte das configurações possíveis.

 

 

Gabriela Dottori

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