HUMANAL
“Evidentemente, Descartes jamais viu um macaco.”
Lineu
Em O aberto: o homem e o animal, Giorgio Agamben interroga-se sobre o modo como – no humano – o humano foi separado do não-humano. Para o filósofo italiano, o problema dessa separação é que ela não ocorre em relação a objetos exteriores ao humano. Pois para definir o humano, não basta separá-lo do mineral, do vegetal e do animal. É preciso separá-lo daquilo que nele mesmo é mineral, vegetal e animal, a fim de alcançar o que seria propriamente o humano no humano. É preciso, portanto, que o humano se separe de si mesmo para ser humano, apenas humano. Pensar o humano como HUMANAL, como aqui propomos, seria, ao contrário, reconhecer a impossibilidade dessa separação.
Com o neologismo HUMANAL, buscamos reintroduzir o HUMANO na série mineral-vegetal-animal, enfatizando o pertencimento à série e não a separação com ela. É assim HUMANAL uma obra, um artista, um sujeito, um objeto em que o humano é atravessado pelo mineral, pelo vegetal e pelo animal, seja porque encontra neles o humano, seja porque os encontra no humano.
No livro já citado, Agamben toma como ponto de partida da sua reflexão uma iluminura contida numa Bíblia hebraica do Século XIII, encontrada na Biblioteca Ambrosiana de Milão, a qual representa o banquete messiânico dos justos no último dia. Nela, os representantes da humanidade consumada são retratados com cabeças de animais. Agamben acredita que o artista da iluminura talvez “tenha pretendido indicar que, no último dia, as relações entre os animais e os homens se configurarão numa nova forma e o próprio homem se reconciliará com a sua natureza animal”.
Bem antes desse último dia, que talvez esteja acontecendo agora mesmo, as “bonecas” de Natali Tubenchlak, um pouco como as iluminuras medievais de Milão, têm, no lugar de suas cabeças, toda espécie de plantas e bichos, e, ao fim, as cabeças das histéricas de Charcot, trazendo à luz uma equivalência entre o feminino e o que estamos chamando aqui de HUMANAL. Digamos que, vistas desde uma perspectiva lacaniana, as histéricas talvez não sejam propriamente humanas, mas humanais. A histeria, então, só poderia ser entendida em sua HUMANALIDADE. Nas obras de Natali Tubenchlak, esse humano não-humano, esse HUMANAL, aparece também nas pernas, pés e patas que se atam em nós, fazendo-nos pensar nos nós que Lacan manipulava em seu Seminário XX (não por acaso, um seminário sobre o gozo feminino).
Cláudio Oliveira